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Luís de Camões
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Oração de Vasco da Gama (Os Lusíadas, canto VI, est. 80-83)
Vendo Vasco da Gama que tão perto Do fim de seu desejo se perdia, Vendo ora o mar até o Inferno aberto, Ora com nova fúria ao Céu subia, Confuso de temor, da vida incerto, Onde nenhum remédio lhe valia, Chama aquele Remédio santo e forte Que o impossíbil pode, desta sorte:
– Divina Guarda, angélica, celeste, Que os céus, o mar e terra senhoreias: Tu, que a todo Israel refúgio deste Por metade das águas Eritreias; Tu, que livraste Paulo e defendeste Das Sirtes arenosas e ondas feias, E guardaste, cos filhos, o segundo Povoador do alagado e vácuo mundo:
Se tenho novos medos perigosos Doutra Cila e Caríbdis já passados, Outras Sirtes e baxos arenosos, Outros Acroceráunios infamados; No fim de tantos casos trabalhosos, Porque somos de Ti desamparados, Se este nosso trabalho não te ofende, Mas antes teu serviço só pretende?
Oh, ditosos aqueles que puderam Entre as agudas lanças Africanas Morrer, enquanto fortes sustiveram A santa Fé nas terras Mauritanas; De quem feitos ilustres se souberam, De quem ficam memórias soberanas, De quem se ganha a vida com perdê-la, Doce fazendo a morte as honras dela! |
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