A  MINHA  ALMA  GLORIFICA  O  SENHOR
POESIA DE TEMA RELIGIOSO

A minha alma glorifica o Senhor!

Poetas  Portugueses

Alexandre Herculano

 

A cruz mutilada

A graça

Deus

 

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Poetas Portugueses

A CRUZ MUTILADA
(Fragmento inicial)

 
 

Amo-te, ó cruz, no vértice firmada

De esplêndidas igrejas;

Amo-te quando à noite, sobre a campa,

Junto ao cipreste alvejas;

Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,

As preces te rodeiam;

Amo-te quando em préstito festivo

As multidões te hasteiam;    

Amo-te erguida no cruzeiro antigo,

No adro do presbitério,

Ou quando o morto, impressa no ataúde,

Guias ao cemitério;
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só,

Núncia do crime, a que deveu a terra

Do assassinado o pó;

 

Porém, quando mais te amo,
Ó cruz do meu Senhor,
É se te encontro à tarde,

Antes de o sol se pôr,

 

Na clareira da serra,
Que o arvoredo assombra,
Quando à luz que fenece
Se estira a tua sombra,

 

E o dia últimos raios

Com o luar mistura,

E o seu hino da tarde

O pinheiral murmura.

 

A GRAÇA

 

Que harmonia suave

É esta, que na mente

Eu sinto murmurar,

Ora profunda e grave,

Ora meiga e cadente,

Ora que faz chorar?

Porque da morte a sombra,

Que para mim em tudo

Negra se reproduz,

Se aclara, e desassombra

Seu gesto carrancudo,

Banhada em branda luz?

Porque no coração

Não sinto pesar tanto

O férreo pé da dor,

E o hino da oração,

Em vez de irado canto,

Me pede íntimo ardor?

 

És tu, meu anjo, cuja voz divina

Vem consolar a solidão do enfermo,

E a contemplar com placidez o ensina

De curta vida o derradeiro termo?

 

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,

Da aurora à frouxa luz,

Me dizias: «Acorda, inocentinho,

Faze o sinal da Cruz.»

És tu, que eu via em sonhos, nesses anos

De inda puro sonhar,

Em nuvem d’ouro e púrpura descendo

Coas roupas a alvejar.

És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,

Junto ao bosque fremente,

Me contavas mistérios, harmonias

Dos Céus, do mar dormente.

És tu, és tu.', que, lá, nesta alma absorta

Modulavas o canto,

Que de noite, ao luar, sozinho erguia

Ao Deus três vezes santo.

És tu, que eu esqueci na idade ardente

Das paixões juvenis,

E que voltas a mim, sincero amigo,

Quando sou infeliz.

Sinto a tua voz de novo,

Que me revoca a Deus:

Inspira-me a esperança,

Que te seguiu dos Céus!...

 

 

 

DEUS

 

Nas horas do silêncio, à meia-noite,

Eu louvarei o Eterno!

Ouçam-me a Terra, e os mares rugidores,

E os abismos do Inferno.

Pela amplidão dos Céus meus cantos soem,

E a Lua resplendente

Pare em seu giro, ao ressoar nesta harpa

O hino do Omnipotente.

 

Antes de tempo haver, quando o infinito

Media a eternidade,

E só do vácuo as solidões enchia

De Deus a imensidade,

Ele existia, em sua essência envolto,

E fora dele o nada:

No seio do Criador a vida do homem

Estava ainda guardada:

Ainda então do mundo os fundamentos

Na mente se escondiam

De Jeová, e os astros fulgurantes

Nos céus não se volviam.

 

Eis o Tempo, o Universo, o Movimento

Das mãos solta o Senhor:

Surge o Sol, banha a Terra, e desabrocha

Nesta a primeira flor:

Sobre o invisível eixo range o globo:

O vento o bosque ondeia:

Retumba ao longe o mar: da vida a força

A natureza anseia!

 

Quem, dignamente, ó Deus, há-de louvar-Te,

Ou cantar Teu poder?

Quem dirá de Teu braço as maravilhas,

Fonte de todo o ser,

No dia da Criação; quando os tesouros

Da neve amontoaste;

Quando da Terra nos mais fundos vales

As águas encerraste?!

 

E eu onde estava, quando o Eterno os mundos,

Com dextra poderosa,

Fez, por lei imutável, se librassem

Na mole ponderosa?

Onde existia então? No tipo imenso

Das gerações futuras;

Na mente do meu Deus. Louvor a Ele

Na Terra e nas alturas!

Oh, quanto é grande o rei das tempestades,

Do raio, e do trovão!

Quão grande o Deus, que manda, em seco estio,

Da tarde a viração!

Por Sua providência nunca, embalde,

Zumbiu mínimo insecto;

Nem volveu o elefante, em campo estéril,

Os olhos inquieto.

Não deu Ele à avezinha o grão da espiga,

Que ao ceifador esquece;

Do norte ao urso o sol da Primavera,

Que o reanima e aquece?

Não deu Ele à gazela amplos desertos,

Ao cervo a amena selva,

Ao flamingo os pauis, ao tigre o antro,

No prado ao touro a relva?

Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas,

Consolação e luz?

Acaso em vão algum desventurado

Curvou-se aos pés da Cruz?

A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio

No dia da aflição,

Quando pesa sobre ele, por seus crimes,

Do crime a punição.

 

Homem, ente imortal, que és tu perante

A face do Senhor?

És a junça do brejo, harpa quebrada

Nas mãos do trovador!

Olha o velho pinheiro, campeando

Entre as neves alpinas:

Quem irá derribar o rei dos bosques

Do trono das colinas?

Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia

Extremo Deus mandou!

Lá correu o aquilão: fundas raízes

Aos ares lhe assoprou.

Soberbo, sem temor, saiu na margem

Do caudaloso Nilo,

O corpo monstruoso ao sol voltando,

Medonho crocodilo.

De seus dentes em roda o susto habita;

Vê-se a morte assentada

Dentro em sua garganta, se descerra

A boca afogueada:

Qual duro arnês de intrépido guerreiro

É seu dorso escamoso;

Como os últimos ais de um moribundo

Seu grito lamentoso:

Fumo e fogo respira quando irado;

Porém, se Deus mandou,

Qual do norte impelida a nuvem passa,

Assim ele passou!

 

Teu nome ousei cantar! Perdoa, ó Nume;

Perdoa ao teu cantor!

Dignos de ti não são meus frouxos hinos,

Mas são hinos de amor.

Embora vis hipócritas te pintem

Qual bárbaro tirano:

Mentem, por dominar com férreo ceptro

O vulgo cego e insano.

Quem os crê é um ímpio! Recear-te

É maldizer-te, ó Deus;

É o trono dos déspotas da Terra

Ir colocar nos Céus.

Eu, por mim, passarei entre os abrolhos

Dos males da existência

Tranquilo, e sem temor, à sombra posto

Da Tua Providência.

 

 

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